Especialistas estão dizendo que as questões do
Enem alcançaram grau visível de maturidade desde 2014 e que as de 2016
consolidam essa tendência. Resta indagar se os candidatos estão no mesmo nível
das questões. Estão sendo consideradas questões maduras aquelas que cobram
conteúdos aplicados e contextualizados, exigindo análise e interpretação dos
estudantes. Estão ligadas à temas contemporâneos emergenciais e de relevância
social, o que exige maturidade intelectual e cidadã dos candidatos.
Evidentemente, muitos secundaristas estão à altura dessas exigências. Isso pode
ser notado pela grau de maturidade de jovens engajados no movimento de ocupação
de escolas públicas. Via de regra, são líderes e militantes de movimentos
sociais.
A vivência de situações conflitantes que exigem
argumentação dos estudantes leva muitos a uma maturidade intelectual. Conseguem
maior domínio de conteúdos se comparados à massa de alunos espectadores que
apenas assistem a aulas ?de camarote?, quase sempre entediados e desmotivados
por questões nacionais. Daí a disparidade entre o perfil de aluno que o Enem
espera e o que realmente acontece na maioria das escolas particulares e
públicas. Os analistas insistem que estudantes de escolas particulares e
públicas que não foram incentivados a pensar criticamente a realidade e que não
desenvolveram maturidade intelectual e autoridade de argumentação acharam as
provas difíceis.
O dilema entre um Enem que exige capacidade argumentativa madura e crítica do aluno em contraposição a práticas cidadãs alienadas em muitas escolas foi sentido pelo aluno que teve de dissertar na redação deste ano sobre caminhos para superar a intolerância religiosa no Brasil. Fico a pensar na armadilha em que muitos caíram, uma vez que só treinaram questões. Falta no ensino médio programas educacionais que oriente o aluno para a discussão madura e para um engajamento em práticas sociais como meio de criar na escola a cultura da tolerância, da paz e do respeito à diversidade cultural.
Penso que muitos tiveram uma grande dificuldade em escrever como agentes observadores do fenômeno da intolerância religiosa, uma vez que a cultura escolar brasileira, grosso modo, é intolerante e preconceituosa, bem contrária ao mito da sociedade cordial que criaram sobre nós. O bullying é exemplo material disso. Para agravar, os alunos não desenvolvem a habilidade da observação crítica objetiva, necessária à argumentação científica, que se afasta do objeto para melhor observá-lo e descrevê-lo, sem preconceitos e intolerâncias. Estamos longe de ensinar esta habilidade, mas o Enem está cobrando exatamente isso. Eis o dilema!
Imagino como muitos caíram da armadilha de fazerem proselitismo sobre sua religião, quando a proposta não era essa. Para se livrar dessa tentação, o Ensino Médio precisa assegurar aos alunos sólida formação humanística para além das disciplinas exatas. Imagino, ainda, quantos elogiaram sua religião denegrindo, principalmente, as de matriz africana. Quantos não devem ter produzido texto se vitimando diante de intolerâncias, mas sendo igualmente intolerantes na sua argumentação?
Inacreditavelmente, autoridades ameaçam tirar a
Filosofia e a Sociologia do Ensino Médio, quando elas são, tecnicamente, as
disciplinas que mais podem ajudar os estudantes a construir suas habilidades de
observar, ouvir, analisar, refletir e interpretar fatos sociais e a elaborarem
análises fundamentadas, superando o senso comum que se limita à opinião e ao
preconceito. Enquanto isso não acontece, aposto que continuaremos tendo muitos
zeros na redação e mais espancamentos nessa sociedade que fala bonito, mas não
tolera as diversidades culturais.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
Contato: [email protected]
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Escrito por Educação, no dia 22/11/2016