Quem acompanhou um dos momentos da natação nesta Olimpíada 2016 deve ter escutado o narrador da BBC reclamando do Galvão Bueno. O desabafo completo foi: ?O narrador perto de mim precisa calar a boca durante a largada! Desculpe, mas?. a árbitra fez certo [em refutar o início]? ? disse o locutor da BBC, entre risadas.
Somos um povo que fala pelos cotovelos e não sabe escutar. Este defeito está cristalizado em nossa cultura. Com isso, perdemos energias e grandes oportunidades de aprender. Quando não ouvimos os outros, inconscientemente, estamos considerando que sabemos mais ou que nossas ideias são mais importantes do que as alheias. Não saber ouvir indica insegurança e medo, pretensão e narcisismo, arrogância e egocentrismo. Enfim, é falta de sabedoria e da percepção de que aprendemos mais quando ouvimos do que quando falamos e de que o conhecimento é projeto coletivo de construção.
Tenho este péssimo defeito. Faço autocrítica e cobro mudanças pessoais. O curso de Filosofia me ensinou muito a capacidade de refletir. Consigo ficar um dia inteiro refletindo, sem falar com ninguém, mas reconheço que não é um exercício fácil para muitas pessoas. Uns colegas me dizem que, se fizessem isso, ficariam doentes. Penso já estão doentes. Muitos odeiam se calar, porque odeiam defrontar consigo próprios.
Parar para ouvir pequenos barulhos e cantos de pássaros, silvos do vento nas árvores e batidos das folhas, ou selecionar os sons de apenas instrumento de uma música ignorando os demais é coisa que a maior parte das pessoas não daria conta de fazer - ou acharia totalmente sem sentido. Muita gente fala o tempo para fugir da sua voz interior, que só pode ser percebida no silêncio. Gosta de barulhos e vida frenética para fugir dos seus barulhos e fantasmas interiores. Falar o tempo todo é fugir de si mesmo.
Parece que a maioria das pessoas não suporta o peso do silêncio. Você já viu como os japoneses fazem uma reunião? Não existe o tumulto de todos falando ao mesmo tempo. Há um silêncio altamente observador e criativo, focado e objetivo. É um silêncio de quem processa a informação, seleciona e filtra, avalia e decide. Criam energia intensamente centrada em resultados. É hábito incrível. Não foi por pouco que muitas empresas brasileiras tentaram repensar sua cultura organizacional, imitando esses asiáticos com programas de qualidade total como "os cinco esses", que acabaram tornando-se modismos no Brasil, pois não mexeram na cultura incapaz de se fazer silêncio. Assim é nas escolas: ninguém cala a boca.
Em nenhum momento penso que está certo continuar mantendo um sistema de ensino em que o aluno ouve o professor o tempo todo. Mas, também, está errado, por parte dos alunos, falar o tempo todo. Trabalho em grupos costuma ser uma loucura. Alguns saem com dor de cabeça, pois acontece quase tudo, menos trabalho. Ao final, um ou outro sabe dizer para qual finalidade se reuniram e saem sem aprender nada. Muitos professores dizem que é por causa disso que não colocam seus alunos para trabalhar em grupos.
Se a escola ensinasse a cultura do silêncio, ela seria mais suportável. A ambiência das escolas reproduz essa doença da incapacidade de ouvir. Você já passou perto de escolas em horário de aulas, quando todos deveriam estar calados, centrados, aprendendo, ou, no máximo, falando baixo em estudos de grupos? Meu Deus! É um pandemônio! É ambiente totalmente estressante e nada educativo.
Rubem Alves começa sua crônica "Escutatória" com as seguintes palavras: ?Sempre vejo anunciar cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular" Bem, mas já seria um bom começo. Assim ninguém precisaria pedir a gente para calar a boca.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
Contato: [email protected]
Você está lendo o maior jornal do Alto Paraopeba e um dos maiores do interior de Minas!
Leia e Assine: (31)3763-5987 | (31)98272-3383
Escrito por Educação, no dia 26/08/2016