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Cultura


RAPAZES DESATINADOS: Djalma Andrade e o movimento modernista de 1922

O poeta e jornalista Djalma Andrade [1], patrono da Biblioteca Pública Municipal de Congonhas, foi um dos principais críticos mineiros do movimento modernista brasileiro




 

O movimento modernista brasileiro teve início na Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922. Contou com trabalhos (pintura, desenho e escultura) de artistas plásticos como Di Cavalcanti, Anita Malfatti e Zina Aita, de escritores e poetas como Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Sérgio Milliet e Plínio Salgado, e apresentações musicais de composições do maestro Heitor Villa-Lobos.

O objetivo do remelexo era romper com os padrões estéticos, culturais e sociais baseados nas regras tradicionais vigentes, propagar a liberdade de estilo e a autonomia dos artistas, valorizando a identidade brasileira e sua variedade. Enfim, renovação. No entanto, nem todos ficaram satisfeitos. O movimento foi hostilizado por muitos, inclusive escritores e intelectuais da época que lhe dirigiram ostensivas críticas.

Na literatura, os “futuristas” inovaram não apenas no conteúdo, mas também na forma de apresentação com seus poemas sem rima e textos que rompiam as regras da gramática tradicional. O objetivo era desprender a poesia das fórmulas, ou seja, permitir mais liberdade estética aos escritores. O poeta não deveria seguir regras prefixadas, como a apreciação da rima e da métrica, tão cara aos parnasianos, mas sim, eleger as suas próprias.

Poeta genuinamente clássico, Djalma Andrade foi um dos ferozes críticos do modernismo literário. Ao comentar a obra de João Alphonsus, um dos modernistas mineiros, afirmou que embora tenha inovado ao “começar os períodos com a variação pronominal”, no restante “conservou sempre as linhas clássicas”. Segundo Andrade, Alphonsus “nunca escreveu livros desvairados como seus colegas de São Paulo”. Referência irônica ao livro vanguardista Paulicéia Desvairada (1922), escrito pelo modernista Mário de Andrade.

Segundo Humberto Werneck, o grupo que introduziu o Modernismo em Minas Gerais começou a juntar-se, de fato, em 1921, um ano antes do movimento, tendo sido formado, inicialmente, ao redor de Alberto Campos, Emílio Moura, Milton Campos e Carlos Drummond de Andrade.

De acordo com Pedro Nava, outro “futurista” montanhês, aos poucos outros escritores foram se conhecendo e compondo o grupo dos modernistas mineiros, dentre alguns deles, Abgar Renault, Mário Casasanta, Aníbal Machado, Francisco Martins de Almeida, João Alphonsus de Guimarães, Hamilton de Paula, Pedro Aleixo, Mário Álvares da Silva Campos, Gustavo Capanema e João Pinheiro Filho. Mais à frente, Dário de Almeida Magalhães, Ciro dos Anjos e Ascânio Lopes.

O Café Estrela, localizado em Belo Horizonte, na Rua da Bahia, era o principal local de encontro dos modernistas. Instalado no térreo de um belo sobrado, exibia uma decoração belle époque, destacada em madeira entalhada e espelhos. Não por acaso, por frequentarem assiduamente a cafeteria, o bando ficou conhecido como “O Grupo do Estrela”.

No entanto, segundo Djalma Andrade, antes da chegada dos modernistas, o Estrela já era “ponto de reunião dos literatos da cidade”, abrigando uma “turma selecionada de rapazes de grande valor”, ou seja, escritores clássicos: Nicolau Navarro, Aníbal Machado, Columbano Duarte, Ramos César, Agenor Barbosa, Fernando de Azevedo e muitos outros. Conforme Andrade, “esse brilhante período da vida literária de Belo Horizonte”, os encantos e encontros no Café Estrela e as atividades da turma parnasiana terminaram com o “advento do modernismo”, quando, “confundiram-se as línguas. Rapazes desatinados invadiram o templo de Apolo e quebraram as estátuas dos deuses imorais”. Na opinião do congonhense, os precursores do modernismo literário em Minas eram “rapazes desatinados”.

O epíteto criado pelo poeta despertou paixões e fez história. Em 1992, ao escrever um livro sobre a história do jornalismo mineiro, o autor Humberto Werneck inspirou-se na expressão do congonhense ao denominar a sua obra: O Desatino da Rapaziada: Jornalistas e Escritores em Minas Gerais.

Djalma Andrade jamais escondeu sua repulsa ao modernismo literário. Outro caso: em 1938, dezesseis anos após o surgimento do movimento, em entrevista ao jornal O Globo, disparou críticas irônicas:

O modernismo não conseguiu criar raízes em Minas. Terra de gente conservadora, verso ali tem que ser direitinho, metrificado, rimado, cantante. Os que abraçaram a velha “nova escola”, como em toda parte, reúnem-se em grupos. Todos são gênios, na opinião da família. Moços perigosos porque dispõem de excelentes meios de publicidade.

Na década de 1940, em entrevista à revista Alterosa, o escritor responsabilizou os modernistas pela crise no setor editorial:

O modernismo, por sua vez, afastou o público das livrarias. O povo não entende os modernistas, na dúvida, deixou de adquirir livros de qualquer gênero. Os livreiros não cessam de reclamar contra a péssima mercadoria, mas os autores herméticos são tenazes e insistentes.

No ano de 1954, ao ser indagado pelo repórter de A Noite sobre quais poetas apreciava, Djalma respondeu: “É necessário esclarecer logo que detesto a escola moderna, a pintura moderna, e a poesia do verso hermético”. Mais claro impossível!

Com o passar do tempo, os modernistas tornaram-se referência na literatura nacional, adquiriram espaço e transformaram-se em escritores “famosos”, reverenciados pela crítica e pelos leitores. Aos poucos, o espaço destinado aos escritores clássicos tornou-se extremamente limitado. No entanto, Djalma jamais se curvou ante o triunfo dos “rapazes desatinados”. Devido às circunstâncias, os parnasianos tornaram-se vozes que clamavam no deserto.

Durante toda a vida, Djalma Andrade criticou o movimento literário. Em 1973, aos 81 anos, dois anos antes de seu falecimento, em entrevista declarou ser um poeta “insistentemente parnasiano”, “avesso a modernismo e outros ismos”. Nem mesmo a maturidade fez com que ele mudasse de opinião.

Certa feita, o escritor Múcio Leão, membro da Academia Brasileira de Letras, afirmou que Djalma Andrade era “um poeta lírico que, resistindo às inovações do modernismo, se conservou fiel aos cânones antigos da rima e do ritmo”.

No fim das contas, aos fiéis e infiéis, desatinados e atinados, celebremos o centenário da Semana de Arte Moderna.

 

Paulo Henrique de Lima Pereira

Diretor da Biblioteca Pública Municipal “Djalma Andrade”

Autor do livro “Venenos adocicados: a trajetória do poeta e jornalista Djalma Andrade”

Membro da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette (ACLCL), do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas (IHGC) e da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas (ACLAC)

[1] Filho de Congonhas, o bem humorado Djalma Andrade (1891-1975) foi um dos maiores jornalistas e poetas de Minas Gerais. Autor de livros como “História Alegre de Belo Horizonte”, “Vinha Ressequida” e do best-seller “Bandeira de Minha Terra”, foi colunista em quase todos os órgãos de imprensa da época. Jornalista e infatigável versejador, inclemente com o arbítrio dos poderosos, fez-se partícipe das tramas literárias e políticas que acabaram por levá-lo algumas vezes à prisão por desacato aos mandatários do Catete e do Palácio da Liberdade. Membro da Academia Mineira de Letras, durante a sua presidência foi aprovado o ingresso feminino na entidade. Trovador desabusado e provocador, Djalma foi, de forma impressionante, um intelectual polivalente: jornalista, poeta lírico e satírico, sonetista, historiador, cronista, radialista, roteirista de cinema e teatro, apresentador de TV, compositor musical. A ele deve-se o primeiro livro específico sobre o Aleijadinho e Congonhas: “Bom Jesus”, publicado em 1923. Seu soneto “Ato de Caridade”, publicado em 10 idiomas, foi considerado um dos melhores da língua portuguesa.

 

 




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Postado por Nathália Coelho, no dia 13/02/2022 - 15:30


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