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Educação


Quem vai cuidar do professor?



Fui professor por 33 anos. Completei meu período para aposentadoria prestando serviços a editoras. A decisão de abandonar a sala de aula se deu por duas razões essenciais: por ter tido a oportunidade de elaborar material didático ou ser tutor externo em Educação a Distância (EAD), via internet, e por ter visto colegas ficando doentes por causa do peso da rotina das aulas.

Esses colegas estavam e estão tomando Lexotan e Rivotril.  Se eu não me cuidasse, eu me tornaria um deles: tensos e ansiosos, frustrados pela falta de reconhecimento e trabalhando com tédio. Estão triturados pelos diá­rios, pela elaboração e correção de provas. E torturados e atormentados ao entregarem os resultados, quase nunca aceitos pelos alunos. Esse cenário continua existindo: eles queriam notas a todo custo e têm a chancela de um sistema altamente assistencialista e perverso, formador de sujeitos que não aceitam ouvir um ?não? e que não toleram ser contrariados. E fazem isso com o apoio da família, dos diretores que querem notas fictícias e aprovações.

Nos últimos anos, vi colegas trabalhando no limite da tolerância, quase surtando, no ensino médio e na universidade. Aquilo me gerou uma inquietação incomum. A constatação de que já estavam doentes ou quase lá, me fez tomar decisões bastante radicais para salvar minha saúde e garantir o mínimo de qualidade de vida.

A propósito, esse conceito precisa ser altamente repensado. Acabo de lembrar duas coisas: a música Epitáfio, que me deu coragem enorme para entregar várias aulas, quando parei para analisá-la e as frases que Dalai Lama disse a um repórter. Perguntado sobre o que mais o surpreendia na humanidade e ele respondeu: ?Os homens... Porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E, por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente e nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer. E morrem como se nunca tivessem vivido.?

Chamo de ?profissionais da ajuda? aqueles que trabalham com pessoas, tentando sal­vá-las das mazelas da vida social e a ad­mi­nistrar suas ideias e atitudes para superar desafios, como os da aprendizagem ou da saúde. Ainda que esses profissionais sejam os menos interessados em juntar dinheiro, acabam por perder a saúde, pois seu empenho profissional para cuidar dos outros é tão grande que acabam descuidando de si mesmos e perdem a saúde.

Umas perguntas que sempre fiz, me vendo como um desses profissionais foram: Quem cuida do cuidador? Quem vai ajuda o profissional da ajuda? E, honestamente, encontrei poucas respostas, porque, quase sempre mes­mo as pessoas necessitadas de apoio só querem receber.  E isso deixa os profissionais da ajuda diante de grandes paradoxos: ajuda e não é ajudado, cuida dos outros e não cuida de si mesmo, sem saber quem cuidará deles.

Posso afirmar com consciência tranquila que eu me doei muito como professor. Aliás, anos afora, fui até, desnecessariamente, muito exigente comigo mesmo e com meus alunos. Por vezes encontro alguns que dizem que gostavam das minhas aulas, mas tinham pavor do que eu exigia deles, principalmente nas provas. Mesmo sendo exigente comigo no trabalho, jamais perdi a dimensão da necessidade do cuidado comigo mesmo. Tirei as férias prêmio que tive por direito e, por duas ou três vezes, em três décadas, tirei licença para cuidar da saúde. Sempre fiz a seguinte reflexão: o balde, que rega e nutre as plantas, precisa de uma fonte para se abastecer e se nutrir. Quem é que abastece o regador que rega as plantas?

A maioria dos profissionais da ajuda, principalmente os que cuidam da saúde e da educação pública, descuidam de si mesmos. Caem na contradição performativa de não fazerem para si o que exigem de seus clientes. Isso de um lado é abnegação. De outro, alienação. Quem faz isso muito bem para terceiros, teria por obrigação ética fazer para si mesmo, pois não persuadiremos nossos educandos se eles não sentirem que praticamos o que sugerimos a eles.

Fica a dica para os colegas profissionais pensarem no poder do verbo cuidar. Semana que vem, escreverei sobre as raízes dessa palavra. Final de ano é hora de pensar, pesar e sopesar propósitos e atitudes adotadas no período. Cuide-se!


José Antônio dos Santos

Mestre pela UFSJ

Contato: [email protected]



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Escrito por Educação, no dia 14/12/2017




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