Acostumadas, ou mesmo viciados, a fazer provas objetivas, as novas gerações têm dificuldade de ponderar as situações. O mito da cientificidade da realidade comprometeu por demais a virtude da ponderação. [...] ?O senso comum a identifica com hesitação e covardia. Chama de "isentão" quem, diante de uma disputa chapada entre preto e branco, insiste em enxergar uma escadinha de degradê cinza - que sempre está lá, mesmo quando pouca gente a vê.
É verdade que ponderação em excesso pode ser defeito, mas o mesmo se dá com qualquer virtude. Em seu ótimo "Guia de Escrita" (Contexto), o linguista Steven Pinker alerta para a compulsão que maus escritores têm de acolchoar seus textos com imprecisões e saídas de emergência. Nada nesse tipo de escrita é claramente o que é, mas sempre "em parte", "até certo ponto", "aparentemente", "presumivelmente", "relativamente". A ladainha acaba por soar ridícula.
O vício que Pinker ataca costuma ser confundido com ponderação, mas se repararmos bem, é só covardia. A típica morada linguística do equilíbrio judicioso não é o advérbio bunda-na-parede, mas as conjunções adversativas (como "mas") e concessivas (como "embora"). Usadas na medida certa, adversativas e concessivas dão profundidade ao pensamento. Põem as coisas em perspectiva. São aliadas da inteligência. Sem elas, o texto corre o risco de ficar bidimensional e desequipado, para dar conta da complexidade aflitiva do mundo.
Precisamos reabilitar a ponderação, nem que seja apenas como subproduto da perplexidade, aquilo que faz o marinheiro do samba levar o barco devagar sempre que o nevoeiro é denso. Como agora. O fogo selvagem que inflamou ao longo da história as turbas linchadoras do diferente que é visto como ameaça - corporificado em bruxas, negros, judeus, homossexuais, loucos, ciganos, gagos - é hoje condenado por (quase) todo mundo. No entanto, o mesmo fogo selvagem inflama as turbas linchadoras que se julgam investidas do direito sagrado de vingar bruxas, negros, judeus, homossexuais, loucos, ciganos, gagos etc. Quem acha que o primeiro fogo é ruim e o segundo é bom não entendeu nada.
Representa um inegável avanço civilizatório a exposição, nas redes sociais, de comportamentos opressivos ancestrais que sempre estiveram naturalizados em forma de assédio, desrespeito, piadinhas torpes e preconceitos variados. Ao mesmo tempo, é um claro retrocesso que o avanço se dê à custa da supressão do direito de defesa e do infinito potencial de injustiça contido no poder supremo do juiz sem rosto que o escritor Michel Laub chamou de "O Tribunal da Quinta-feira" - um romance corajoso que o Brasil, para variar, tratou com desatenção.
Talvez seja só uma inevitável fase de desafogo violento, depois da qual retornará um novo - e melhor- equilíbrio. Até lá, a ponderação do marinheiro de Paulinho da Viola é boa conselheira.?
Créditos do texto com adaptações:
Sérgio Rodrigues. Disponível
no site da Folha de São Paulo.
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Escrito por Educação, no dia 01/12/2017