?Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.? (Bertold Brecht). No livro ?Escola da Ponte: uma escola pública em debate? aparece a seguinte pergunta de uma professora: ?Deparo-me com a questão familiar e estrutural, de base socioeconômica, que influencia o comportamento da nossa meninada. A soma de falta de carinho, dureza e amor resulta numa criança que não conhece limites, ou seja, não traz a disciplina de casa? [...]
A resposta dada por um professor da Ponte foi: ?Afinal, quem está a educar quem? ... Acabaste de me dar uma lição, o que agradeço. Vamo-nos formando uns aos outros, como vês. A variável econômica, ou socioeconômica, da indisciplina é incontornável. A crise das instituições é um fato. E a Ponte que o diga: somos quase uma escola de última oportunidade para muitos jovens, que acumularam experiências traumatizantes, com origem nas parcas condições em que vivem.
A escola não pode resolver tudo. E a Ponte nem sempre consegue dar resposta aos seres que a ela acorrem. Já são portadores de tamanha violência, que dificilmente conseguimos realizar a reciclagem dos afetos. Mas a variável socioeconômica não está sozinha. Consideremos a variável socioinstitucional. O que eu quero dizer é que, não raras vezes, o modo como as escolas estão organizadas potencia a indisciplina de que o jovem no ofício de aluno já é portador.
Quem institui as regras? Os alunos participam na sua definição? Numa sala de aula tradicional, com 40 alunos, sem apoio logístico, com escassa formação no domínio da relação pedagógica, o que pode um professor (isolado) fazer?
Eu sei o que é trabalhar com turmas de 50 alunos. Conheço o sabor da angústia. Antes de chegar à Ponte, passei por situações em que senti impotência e desespero. Por isso me solidarizo com os professores que, hoje, vivem esse drama. Mas não me limito a uma solidariedade passiva: incito-os a ousar transformar as suas práticas (em coletivo), porque a indisciplina e o insucesso não são fatalidades.
Conseguir que centenas de alunos se comportem com maturidade democrática numa reunião de assembleia, que saibam respeitar o outro, que saibam pedir a palavra, esperar a sua vez e fundamentar o que afirma, não é alcançado com um passe de mágica. É produto de um longo e paciente labor no campo do desenvolvimento sociomoral. Requer o exemplo dos professores. Requer o esclarecimento e a colaboração das famílias. Passa por momentos de preparação (preparação de assuntos, definição da agenda, elaboração de propostas etc.), que antecedem a reunião semanal.
Alguns incidentes críticos serviram de assunto para reflexão na equipe de projeto, para podermos ajudar os que têm incorrido em deslizes autoritários a não os repetirem, e para podermos ajudar os que não têm autoridade a ganhá-la. Professores frouxos e professores autoritários podem ser ?recuperados? através da solidariedade e persistência do trabalho cooperativo numa equipe de professores. Temos uma fé inabalável nas pessoas e nos professores.?
Para os professores, diretores e pais céticos, quero dizer que essa atitude cidadã tem sido praticada com sucesso no Brasil, em vivências escolares democráticas que estão surgindo aqui e ali. Portanto, expressões como ?é outra realidade? ou ?crianças de clima tropical são inquietas e indisciplinadas? ou, ainda, ?a escola sempre foi assim? não passam de desculpas para quem se conforma com um triste e apático conceito de cidadania.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
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Escrito por Educação, no dia 11/03/2016