Recomendar, pedir, impor, sugerir, ordenar... qualquer que seja o verbo para se cantar o hino e filmar os alunos durante o ato é contradição brutal à condenação da ideologização do ensino e ao combate pela escola sem partidos ou escola sem ideologia. Alguns dias atrás, o ministro mandou uma mensagem às escolas pedindo que o hino nacional seja entoado pelos alunos. Além disso, solicitou que os alunos fossem gravados. Também convidou os diretores a ler uma carta dele, ministro, aos alunos. A carta terminava com o slogan da campanha presidencial de Jair Bolsonaro e com uma menção aos novos tempos…
Enfim, dois dos três itens da requisição de Brasília são ilegais. Filmar crianças e adolescentes sem consentimento dos pais e responsáveis é vetado pela legislação. Usar a máquina pública para fazer a população recitar slogan de campanha é proibido pela Constituição - e deve render uma senhora dor de cabeça a Vélez Rodriguez. Só o hino está dentro da lei. A regra foi colocada no ordenamento jurídico brasileiro em 1971 e, como não pegou, entrou de novo em 2009. Igualmente, sem sucesso.
Se Vélez Rodríguez acha que vai mudar a cultura escolar por e-mail, estamos feitos. Vamos por partes. O ministério não tem a lista atualizada dos endereços (eletrônicos e físicos) de boa parte das escolas brasileiras. Provavelmente, centenas, talvez milhares de mensagens, tenham voltado aos servidores do MEC. Nas bases de dados, muitas escolas aparecem com e-mails como [email protected], localizadas na rua 1, número 2.
Se Vélez Rodriguez quer deixar um legado real para a educação brasileira, poderia negociar com Paulo Guedes e fazer um censo escolar profundo; detalhado. Também poderia investir em tecnologia, para tornar a atualização dos dados mais fácil. Ah, essa também é uma boa oportunidade de fazer uma parceria com estados e municípios, responsáveis pela pujante maioria dos estabelecimentos de ensino do país. Mas, provavelmente, isso não vai acontecer tão cedo.
Ao atropelar os secretários estaduais e municipais de Educação com essa medida, o MEC armou uma cilada para si mesmo. Primeiro, irrita as pessoas responsáveis por colocar a máquina da Educação para funcionar. Sem parceria com as administrações locais, nada acontece, como bem sabem as pessoas que sentaram na cadeira antes de Vélez. Segundo, o ministro entra em uma embaraçosa contradição. O ministério prometeu mais Brasil e menos Brasília nas escolas. Sua mensagem aos diretores é Brasília na veia.
Por fim, mostra ignorância administrativa. O MEC não manda nas escolas do país (exceto na ínfima parcela sob a administração federal). A mensagem do ministro pode ser solenemente ignorada - exceto se ele usar a punição prevista pela lei de 1971 e sair processando e multando milhares de escolas Brasil afora. Se ele resolver ir por esse lado, multando os gestores, boa sorte. As escolas públicas vão (metaforicamente) pegar fogo.
Invertendo um velho ditado, deixo uma sugestão para o ministro e para a sua equipe: às vezes, é melhor passar vontade do que passar vergonha. Até porque a realidade, nua e crua, vai bater na porta. O maior ato de patriotismo que um ministro da Educação pode ter é encarar a vida como ela é, gastando as melhores horas do seu dia em temas como aprendizagem dos alunos, valorização dos professores e infraestrutura das escolas. É pedir muito?
Texto integral disponível na Folha de São Paulo. Acessado aos 01/03/2019.
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ e membro das ACLCL.
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Escrito por Educação, no dia 15/03/2019