Vou trazer, nessa semana, algumas ideias de Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV (Direito), mestre em Direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em Ciências Políticas pela USP. É uma contribuição sobre escolas sem partido. Essa discussão tornou-se vital para a conjuntura do momento político brasileiro. A nomeação de um conservador para o Ministério da Educação é um teste para a liberdade de expressão, assegurada pela democracia.
?Sempre fui contra o proselitismo político e religioso dentro da escola. Tendo sido educado durante o regime militar, fui vítima de ambos. Lembro, até hoje, das aulas de Educação Moral e Cívica, onde era vetado discutir política ou religião, de ter aprendido que os brasileiros tinham uma índole pacífica, eram hospitaleiros e, devido a uma ampla miscigenação, não haviam sido afetados pela chaga do racismo, como os norte-americanos. Também aprendi que minha religião era mais generosa e verdadeira do que as demais?. Fica a pergunta: A escola de Vilhena foi sem ideologias e sem partido? De imediato, dá para saber a que senhores ela servia.
?Com o tempo, fui percebendo que as coisas não eram tão bacanas assim. Canudos, descrito por Euclides da Cunha, deixou claro que o Estado brasileiro poderia ser brutal com seus inimigos, mesmo que famintos e desarmados. A escravidão, denunciada por Joaquim Nabuco, foi sim uma chaga. A miscigenação, mais do que uma consequência da doçura do mel de engenho, decorreu da violência sexual praticada sistematicamente contra mulheres negras. Também descobri que, em nome da religião, inclusive daquela que determina ?amar ao outro como a si mesmo?, muitas mulheres haviam sido queimadas, guerras travadas e discriminações praticadas.
Ou seja, ao proibir que discutíssemos política e religião nas aulas, alguns de meus professores estavam, na realidade, praticando a forma mais perversa de proselitismo. O único mito que sobreviveu dessa época foi marechal Rondon que, de fato, protegeu os indígenas?. Outra pergunta: A história do Brasil foi contada a partir da perspectiva ideológica da elite brasileira, ou como diria, Eduardo Galeano, os donos do poder. Essa escola teria sido neutra? Sem partido? Sem ideologia? Jamais.
?Minhas filhas, felizmente, tiveram o privilégio de estudar num tempo de mais liberdade. Tenho certeza de que nem todos os seus professores foram capazes de deixar a religião e a ideologia fora da sala de aula. Porém, num ambiente plural, elas tiveram mais oportunidades do que a minha geração de ouvir distintas perspectivas, estudar diferentes interpretações da realidade ou de eventos históricos, confrontá-las e discuti-las de maneira aberta, sem policiamento, de forma a poderem formar seus próprios juízos e forjar suas identidades.
O fato é que não existe escola ou ensino neutro. Da perspectiva pedagógica, é um falso dilema. Há escolas conscientes e que buscam mitigar esses vieses políticos, dissuadindo o proselitismo e estimulando o pluralismo, e escolas hipócritas, que buscam eliminar o pluralismo e conferir ao proselitismo ares de neutralidade, como na minha infância?. Esses dois parágrafos resumem o cerne da essência a ser assegurada nas escolas, qual seja, a convivência e tolerância ao pluralismo de ideias.
?Da perspectiva jurídica, a discussão da Escola sem Partido não faz nenhum sentido. A Constituição já resolveu o problema. A educação deve visar o ?pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho?, devendo pautar-se pelos princípios como a ?igualdade de acesso?, a ?liberdade de ensinar e apreender?, o ?pluralismo de ideias?, a ?valorização dos profissionais de ensino?, a ?gestão democrática? e a ?garantia do padrão de qualidade?. Logo, não há espaço pedagógico ou jurídico para que o Congresso Nacional aprove legislação que restrinja a liberdade de professores e alunos. Se o fizer, caberá ao Supremo declarar inconstitucional a medida?. A discussão precisa continuar na sua escola e com seus colegas. Não se acomode na zona de conforto. Deixo esse espaço disponível para os favoráveis ao governo atual se expressarem, caso desejem. Assim seja!
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ e membro da ACLCL
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Escrito por Educação, no dia 07/12/2018