Foto: Álbum de família
Guarda de Congado Santa Efigênia
A rica e diversa cultural lafaietense tem como um dos seus pilares o Congado, uma manifestação religiosa e cultural que desafia o tempo e as dificuldades impostas por ele. Essa tradição, de forte resiliência, tem suas raízes na ancestralidade dos povos escravizados durante 380 anos (considerando o ano de 1500 com a chegada dos português e a assinatura da Lei áurea em 1888). Ao serem arrancados de seio familiar e das suas terras de origens, os africanos trazidos para o Brasil deixavam para trás uma parte de si, mas traziam consigo algo que ia além da matéria – a espiritualidade e a ancestralidade que eram intrínsecas e inseparáveis. Foram, talvez, essas que os tornaram fortes para suportar o infortúnio ao logo dos tempos. E ainda continuam suportando.
Aqui, mesmo sucumbidos às imposições e aos mais severos e degradantes sofrimentos, participaram da construção daquilo que hoje nomeamos “sociedade” brasileira. Cabe destacar que a travessia desses povos pelo oceano em navios tumbeiros ainda continuam a acontecer, embora o oceano não seja mais aquele de água salgada e sim o dia a dia em que vivem. Aos navios tumbeiros, hoje damos o nome de (des)governos institucionais e suas frágeis propostas de atendimento e reparação.
No contexto de mais de 300 anos de total exclusão, esse povo se alimentou de sua força ancestral, se fortaleceu e se tornou elemento indispensável para a miscigenação brasileira e para a nossa formação cultural. Essa formação se manifesta na mais diversa identidade cultural do nosso país. Destaca-se aqui o Congado, que incorpora elementos da religiosidade, ancestralidade e das tradições de povos seculares. Essa forte manifestação que une o céu e a terra, encontrou aqui, outrora chamado “caminhos do ouro”, o lugar para se construir, de uma maneira forjada para resistir.
Contando com mais de uma dezena de Guardas, Lafaiete se destaca pela grandeza e pelo vigor de sua tradição congadeira, que ultrapassa as linhas do município e ganham uma dimensão de reconhecimento seu igual. Isso se comprova em estudos elaborados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), órgão máximo de defesa do patrimônio cultural brasileiro, que publicou, em 2023, o dossiê “Saberes do Rosário: Reinados, Congados e Congadas no Brasil” onde consta e sustenta a força e a influência do Congado de Lafaiete até mesmo nas influência de outros grupos no estado de São Paulo. Ademais, em 1924, Mário de Andrade (escritor modernista, crítico literário, musicólogo, ativista cultural brasileiro e estudioso da cultura popular) descreveu o nosso Congado como um dos bens patrimoniais ou culturais do Brasil. Foi logo no início do grande processo de reconhecimento da identidade cultural nacional brasileira, que o Congado emergiu como uma vertente da nossa essencial cultural.
Dessa imensa força cultural que é o Gongado de Lafaiete, destaca-se uma guarda pela sua trajetória que completa um século de existência e permanece (re)construindo uma história, de geração à geração. Ela é a Guarda de Congado de Santa Efigênia que tem suas origens fincadas em uma extinta localidade chamada Estevão Marques, nas terras da cidade de Santana dos Montes.
Tem-se como data de referência de fundação da guarda o ano de 1925. Essa data de constituição da Guarda foi atribuída, há tempos, por André Cruz, um dos membros mais antigos da guarda, e parente de outros que também faziam parte mas dela. Mas segundo o mesmo André Cruz, é possível que a história da fundação da guarda ultrapasse seguramente os cem anos.
O primeiro capitão dessa guarda quando ela veio para Lafaiete, foi o senhor Odorico Reis. Ainda nesse tempo ela se chamava Guarda de Santa Efigênia de Santana dos Montes. No ano de 1996, senhor Odorico encontrava-se enfermo e não pode comparecer a frente da guarda em uma festa na cidade de Rezende Costa. Para honrar o compromisso, então o senhor Gamair Ladislau, filho de Odorico esteve a frente da guarda como primeiro capitão naquela festa.
Em 2001, com o falecimento de Odorico Reis, senhor Gamair Ladislau, assumiu a Guarda e até hoje é o primeiro capitão. Senhor Gamair é homem de respeito, seriedade, liderança e religiosidade como essência de vida. É pai de sete filhos e de netos que também estão construindo a história da guarda enquanto membros dela.
Senhor Gamair se recorda com emoção dos tempos passados
Em 2022 Faculdade Febraica e a Ordem dos Capelães do Brasil (OCB) outorgou o título de Doutor Honoris Causa ao senhor Gamair Ladislau. Um doutor honoris causa recebe o mesmo tratamento e privilégios que aqueles que obtiveram um doutorado acadêmico de forma convencional.
Senhor Gamair se recorda com emoção dos tempos passados, quando somente começou a dançar aos dezoito anos de idade. Rememora, com lágrimas nos olhos, seu tio Antônio Augusto Lopes (Antônio Marinheiro) que sempre o incentivou a dançar, mas por falta de interesse em razão da infância e adolescência não correspondia aos incentivos do tio. Somente após a morte de Antônio Augusto é que ele sentiu o chamado e entrou para o Congado. Porém antes de falecer, seu tido já havia deixado em intenção para ele sua farda e seu capacete que usou a vida inteira.
O primeiro capitão, senhor Gamair, ao ver a Guarda de Congado de santa Efigênia a completar cem anos de fé, tradição e cultura, trás à tona a lembrança dos tempos idos em que, na cidade e Santana dos Montes, faziam festas de congados que duravam três dias.
Além das lembranças quadradas na memória, o primeiro capitão da Guarda de Congado de Santa Efigênia, a primeira a completar um século e escrever seu nome na história de Conselheiro Lafaiete, senhor Gamair relembra dos doces de mamões servidos nas festas onde outrora nasceu esta centenária Guarda de Congado. O doce lembrado, talvez seja para adoçar a saudade!
Por Luiz Otávio da Silva
Graduado em letras, pós-graduado em história, especialista em arquitetura e patrimônio e em arqueologia e patrimônio. Atua como pesquisador independente e dedica-se à valorização da memória e do patrimônio histórico-cultural da região.
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Postado por Rafaela Melo, no dia 16/05/2025 - 09:02