"A tragédia ocorrida em Brumadinho não tem precedentes. Duzentas e cinquenta e nove pessoas morreram, e 11 ainda estão desaparecidas. Trata-se de evento de dimensões imensuráveis, cujos impactos ainda possuem contornos imprecisos. Merece destaque o fato de os corpos das vítimas, em grande parte, terem sido dilacerados em meio à lama, provocando verdadeiro terror nos envolvidos, em um cenário de guerra."
"A excepcionalidade dos fatos exige, portanto, uma quebra de paradigma quanto ao modelo de reparação a ser aplicado nos casos envolvendo o rompimento da barragem no Córrego do Feijão, os quais merecem análise peculiar e única, sem qualquer comparação com outros eventos de proporções diversas."
Assim se manifestou a juíza Perla Saliba Brito, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Brumadinho, ao condenar a Vale S.A. a pagar indenização por dano moral no valor total de R$ 5 milhões a uma mulher, pela perda de familiares no rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019.
Pela morte do filho, de 1 ano de idade, o valor fixado foi de R$ 2 milhões; pela morte do esposo, de 26 anos, foi fixada a quantia de R$ 1,5 milhão; e pela morte da irmã, o montante arbitrado foi R$ 1,5 milhão. A decisão foi proferida na última terça-feira (05/05/20).
A empresa deverá ainda pagar à mulher indenização de R$ 200 mil pela perda da moradia; R$ 200 mil pelos traumas em sua saúde física e mental ao ser arrastada pela lama de rejeitos; e R$ 100 mil pelos danos sofridos em razão da alteração causada pelo rompimento da barragem no meio ambiente em que ela vivia.
Pelo dano estético e moral correspondente, a vítima receberá R$ 50 mil e R$ 100 mil, respectivamente. Ela sofreu lesões por todo o corpo que acarretarão cicatrizes em locais aparentes e provocaram deformidade no nariz em razão de fraturas.
A Vale foi condenada também a pagar à autora, pela morte do marido, indenização por danos materiais, em parcela única, no valor de 2/3 da remuneração que o homem recebida à época dos fatos (R$1.653,48), até a data em que ele completaria 76 anos de idade.
Foi condenada ainda a pagar por danos materiais pela morte do filho, em parcela única, no valor de 2/3 do salário mínimo vigente à época dos fatos, da data em que seria admitido o início do trabalho do menor (14 anos), até quando ele atingiria 25 anos de idade. A partir daí, a pensão deverá ser reduzida a 1/3 do valor do salário, até a data em que ele alcançaria 76 anos de idade.
Por fim, a magistrada condenou ainda a ré a ressarcir à autora, a título de danos materiais, a perda dos bens descritos em planilha juntada aos autos, em condições que estabeleceu na sentença.
"Por um milagre"
A mulher entrou com o pedido de indenização por danos morais e materiais relatando que perdeu os familiares no rompimento da barragem do Córrego do Feijão e que se salvou apenas "por um milagre", já que estava em casa com o filho, o marido e a irmã, no momento do ocorrido.
Contou que vivia na pousada Nova Estância, destruída pela lama de rejeitos, e que, depois da tragédia, ela não apresentou mais condições de desenvolver atividades laborais, necessitando se submeter a tratamentos psicológicos e psiquiátricos por toda a vida.
Por ter sido também arrastada pela lama, a autora da ação sustentou que "teve lesões pelo corpo, danos estéticos e abalos emocionais que perduram e teve que fazer cirurgia devido a quebra do nariz e osso esterno (peito)", necessitando de tratamento e acompanhamento constante.
Caso concreto
Ao analisar os autos, a juíza Perla Saliba Brito observou, inicialmente, que era incontroverso o fato de que a mulher "foi arrastada pela lama decorrente do rompimento da barragem da Vale S.A., juntamente com a pousada, sua casa e seus familiares, vindo a sobreviver de forma inacreditável e, pode-se dizer, milagrosa".
Na avaliação da magistrada, não havia dúvidas também de que a vítima sofreu danos das mais variadas espécies, tanto morais como materiais. "Certamente, dinheiro algum terá o condão de reparar integralmente a dor sentida pela perda de seus entes queridos, seus sonhos, seu lar, suas lembranças."
Em casos como esse, destacou a juíza, a reparação pelos danos morais sofridos possui função "meramente satisfatória", diante da impossibilidade de retorno ao status quo então vigente. "O julgador deve procurar um valor que, ao mesmo tempo em que sirva de reprimenda ao causador do dano e o sensibilize de forma pedagógica, não se caracterize como locupletamento [enriquecimento] da vítima".
Ao fixar esse valor, continuou a magistrada, "características como a condição social, cultural, a condição financeira e, claro, o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica (...). É o juiz, atento à realidade da vida e dos fatos, pois inserido na sociedade, quem deve encontrar o valor justo no caso concreto", explicou.
No que se refere à indenização por danos materiais, a juíza ressaltou que ela "exige a comprovação do efetivo dano patrimonial/financeiro sofrido, já que não se presumem e devem ser devidamente comprovados pela parte que alega tê-los sofrido. O seu valor deve limitar-se ao prejuízo efetivamente comprovado no processo".
Nesse sentido, explicou, "se da ofensa resultar dano a partir do qual a vítima não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou mesmo que lhe diminua o valor do trabalho, a indenização por danos materiais, além de incluir o que se efetivamente perdeu (dano emergente), também deve englobar o que razoavelmente se deixou de lucrar (lucros cessantes)".
Em sua decisão, a juíza destacou, entre outros pontos, que "um dos registros mais emblemáticos da tragédia foi o resgate da autora no lamaçal, com o auxílio de uma corda. A cena foi amplamente divulgada na mídia e é chocante. Um mar de lama escorria, levando consigo o que estava à sua frente".
Fonte: Assessoria de Comunicação Institucional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
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Postado por Redação, no dia 10/05/2020 - 09:57