Cultivei por muito tempo o sentimento de que a história dos homens nos levasse, não para o caminho dos absurdos, das coisas muito pequenas, pelo contrário, que nos trouxesse para a benignidade, para o comprazimento universal. Os jovens, de então, no escrito de Lya Luft “cultivavam a utopia de um mundo melhor”. Hoje, contudo, em cada amanhecer, ouço frêmitos – barulho, rumor, rugido – uma sofreguidão, um anseio exagerado em conseguir alguma coisa rapidamente, contrastando com a impossibilidade, não de mudar o mundo, mas mudar o homem. Estou definitivamente indolente. Abro a janela da sala em uma manhã desigual e vejo o fundo do poço. Bem sei, que se trata de uma abertura cavada no solo, qualquer abertura feita na terra para tirar algo. Na alma, nenhuma definição esta correta. É o abismo mesmo, sem delonga, sem atraso, sem demora, sem paliativo. A história não muda o homem. Hoje, por certo, os escroques estão no topo – porção mais elevada de algo – de tudo quanto se assemelha a ter habilidade de exercer influência sobre o reles – sem valor, de qualidade ruim – enfim, sobre nós, os meros mortais, puros, genuínos, desprovidos de complexidade. O fundo do poço teve gênese em mera minuta, um rascunho, um borrão, uma redação preliminar de um ato oficial e pernicioso; que prejudica, causa danos, nocivo, ruinoso. Mais uma vez Lya Luft gizou, riscou, traçou com giz que “a gente podia mudar”. Sofremos, entretanto, na contramão dos sonhos, numa metamorfose, permitimos que se promovesse uma alteração de nossa personalidade, do nosso modo de pensar, da nossa própria aparência e até de nosso caráter. Estamos fluidos, diluídos, frouxos, lassos. Corremos e deslizamos de modo fácil, quase ou sem nenhuma densidade, para os braços fúlgidos deles, que brilham em excesso, reluzentes,e, nesse exato momento construindo a reprodução maléfica que infesta, somos tóxicos, nocivos, lesivos. Viajamos atônitos, confusos, embasbacados e até estupefatos, ao encontro. Mas, viajamos assim mesmo. Restou-nos o poço dos fundos. O poço caseiro, que gosta de permanecer em nossas casas, é o guardador de nossa moral pálida, guardador de nossas almas e que principalmente adora ser Narciso nos esbofeteando na frente do mundo todo. No poço dos fundos ele é noticioso, eles controlam a notícia, eles encerram a grande cópia da miséria humana. No poço dos fundos não existe remissão – perdão, absolvição, compaixão, indulgência ou misericórdia. Bem escrito que os estores se fecharam para nós todos, para os milhares que faleceram e os que padecem de dores físicas, morais etc. Nada importa, que seja, então, um dia ensolarado, brilhante, insolado, assoalhado, eles voltearam, contornaram o poço dos fundos, e não bastasse estão olhando o voltejar dos pássaros no céu. Foram para o mar, perambular, deambular, pouco importa, ignoram o poço dos fundos onde estamos aprisionados.
Sílvio Lopes de Almeida Neto
Maio 14, 2020.
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Escrito por Silvio Lopes, no dia 15/05/2020