A música sempre foi excelente mediação pedagógica na educação escolar. Agora, então, com a riqueza de pequenos vídeos no YouTube, tudo ficou mais fácil, fascinante e promissor. O problema é saber qual tipo de música devemos levar para a sala de aula. Por vários anos, relativizei a teoria de que devemos partir da realidade do aluno para ensinar melhor. E nunca achei respostas para perguntas incômodas como: Devo partir da realidade do aluno, para reforçá-la como um valor, ou para questioná-la?
No caso do gosto musical, por exemplo: o que eu deveria fazer se o gosto musical do aluno for péssimo na minha concepção de educador? Sempre tive alunos que adoravam funk e rap, o que me gerava muito mal estar, principalmente o funk que odeio em todas as suas dimensões, principalmente pelo lixo das letras e pela pobreza da (falta de) estrutura musical. Esse conflito é muito complexo, pois o professor não pode impor seu gosto, mas não existe neutralidade ideológica na didática e muito menos nas pedagogias ativas e libertárias, que sempre defendi. Mesmo a pedagogia reprodutivista não é neutra. O próprio nome já diz tudo. Eu nunca quis ser reprodutivista.
Várias vezes, eu levei para os alunos o rap e uma MPB e fiz com eles um estudo comparativo, usando o crivo crítico, mesmo com pouca base de teoria musical e política. Mas, para meu desespero, além do funk e do rap apareceu o sertanejo universitário, que de nível universitário não tem nada. A expansão desses gêneros pelas rádios e redes sociais mostra que estamos vivendo uma carência social cultural e muita falta de senso crítico. Depois desses três, só tenho visto lixo musical, apesar de que existem artistas jovens garimpando espaço com esforço, para apresentar uma música com arte e conteúdo textual. Mas são ignorados pelas gravadoras que têm fome de vender e faturar com descartáveis musicais.
E a escola continua afirmando que é preciso valorizar o que os alunos trazem de sua ambiência. Quer dizer que, se eles só sabem o funk, deverão ser educados só dentro desse universo pequeno, sem direito a conhecer opções musicais mais elaboradas e que dão contribuição cultural e que precisam absolutizar qualquer conhecimento prévio da clientela? Essa máxima então deveria valer para a droga e a violência, por exemplo. Até porque a imposição do funk não passa de uma violência, idolatrada por legiões de jovens, manipuladas para não conhecerem melhores opções para seus ouvidos.
Por mais que nosso país tenha uma diversidade musical e uma cultura multifacetada, fico a pensar se toda produção cultural deveria ser reproduzida na escola só para satisfazer o gosto dos alunos ou como isca metodológica, para eles gostarem de nossas aulas tediosas. Eu ouvi funk com meus alunos, mas na condição de que aceitassem minhas críticas e de que pudessem também criticar meu gosto clássico por Vivaldi e Mozart, por exemplo, e meu gosto pelos Tribalistas, 14 bis, Titãs e Engenheiros do Hawaii, como também, por Bethania e Chico Buarque.
Mas sempre fazendo esse esforço de ouvir com eles o que eu não apreciava, eu me perguntei por anos a fio, se as escolas de outros países deixam os professores veicularem músicas descartáveis na ambiência de aprendizagem. Na minha concepção, essas ?músicas? só cabem ser ouvidas, para serem analisadas, numa leitura teórica ?a contrapelo?, (expressão de Edgar De Decca ao se referir a uma historiografia crítica), se a decisão for questionar o que é imposto pela mídia como valor musical.
A Folha de São Paulo fez uma pesquisa, para identificar a geografia musical do brasileiro. As conclusões só confirmaram nomes da nossa decadência musical: Thiaguinho, Mumuzinho e Rodriguinho, esquisitamente no diminutivo. Em paralelo: Michel Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima. Para completar a banalização, apareceram Anita, Marília Mendonça e Jojo Todinho. Fico a pensar o que os grandes nomes da música brasileira devem sentir ao sair à rua e virem os carros rebaixados, com jovens de boné pra trás, ouvindo esses lixos musicais. Esses artistas devem sentir uma tristeza enorme. A vida é muito curta para tão pouco. Misericórdia!
José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
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Escrito por Educação, no dia 28/03/2018