Fotos: Igor Nakamura
Fazenda do século XVIII: Onde começamos a produzir alimentos para as Minas do Ouro
A comida para os mineiros sempre foi sinônimo de festa, confraternização e celebração. Quem nunca participou de uma festa na roça, regada a cachaça, com porco assado e feijão tutu?
O cardápio dessa história é extenso. Aqui vamos nos concentrar em um aperitivo: vamos voltar ao final do século XVII, relembrando o primeiro ouro comunicado à Corte portuguesa (Itaverava, 1692) e, posteriormente, o ouro descoberto no Ribeirão do Tripuí/Carmo, que deu origem à nossa febre do ouro setecentista, levando Vila Rica a ter 10.000 habitantes nos idos de 1700, tornando-se a maior metrópole da América do Sul.
Fazenda do século XIX: chega o gado e a cana na região
Foto: José Geraldo
Entretanto, havia escassez de alimentos. As plantações eram primitivas e improvisadas, ligadas a alguma mina que, ao se esgotar o ouro, abandonava-se o cultivo.Vamos agora percorrer Minas Gerais. Aqui vamos "viajar" até a região das nascentes do Rio Doce, o Alto Vale do Piranga, as cidades que vão das montanhas de Senhora do Remédios àquelas próximas de Ponte Nova, com destaque para a região de Piranga. Nesse vale do Piranga, a necessidade de expansão das atividades econômicas pela Coroa portuguesa levou à descoberta de terras férteis.Fogão de lenha: ícone da comida dos mineiros
Foto: José Geraldo
Ouro não havia, então alimentos foram produzidos e vendidos a "peso de ouro" para a região mineradora. Os hábitos alimentares, de extrema pobreza no século XVIII, eram muito semelhantes na região das "Minas do Ouro" e nas vilas e fazendas que surgiram para produzir víveres. O que se comia nessa região era emblemático e semelhante em hábitos que seriam notados em toda a região das Gerais.
Pato com Arroz: herança portuguesa em Santana dos Montes
Foto: Dani Matos
Eduardo Frieiro, em seu tratado sobre a origem da comida dos mineiros no livro "Angu, Feijão e Couve", aponta que o jantar da fazenda ou da mina às vezes se resumia a fubá cozido em água, ora canjiquinha com couve ou verduras disponíveis. Depois, o nosso mingau de couve ficaria rico com linguiça e a costelinha combinaria magnificamente com a canjiquinha. Na região das minas do século XVIII, plantava-se apenas mandioca, milho e feijão.
Feijoada: comida criada pelos escravos
Foto: Bruno Rocha Nogueira
Enquanto os paulistas já tinham uma maior diversidade de plantação e se nutriam do uso de animais domésticos como porcos e galinhas, esses animais nas Minas do Ouro e em nossas fazendas ainda eram raros, como lembra Gilberto Freire em "Casa Grande e Senzala" - a fartura só aparecendo no século XIX (acrescidos aqui do gado leiteiro e da cana que adoçariam, em modas de viola, a vida dos mineiros).
Galinhada: comida tropeira de traços espanhois em Santana dos Montes -
Foto: José Geraldo
Se o estômago do mineiro passava por uma melhora depois da escassez, lembremos que aqui chegava o pato com arroz, vindo da região da Beira Alta de Lisboa, onde ainda se encontra nos cardápios. Ou nossa galinhada ancestral tropeira, cujas origens remontam à paella valenciana dos espanhóis. Em Santana dos Montes, esse pato foi resgatado na Pousada Chalés dos Montes, assim como a galinhada paellera foi resgatada na Fazenda Fonte Limpa. Comida de fazenda? O escravo já misturava muita farinha de mandioca no feijão. Esse dos tropeiros, mais seco, encontrava na comida escrava uma novidade no século XIX: a "casa grande" trouxe de Portugal o hábito de misturar carnes defumadas e curtidas do porco ao feijão branco.
Aqui assume o pretinho feijão ao qual os escravos juntavam os rabinhos, costelas e orelhas descartados pela "sinhá". Os escravos precisavam de muita energia para a jornada exaustiva. Indo à horta, uma variedade colorida de verduras disponíveis fazia parte dessa festa que se chamava de feijoada. Manga com leite faz mal? É uma questão de economia: em um dia o pomar e suas frutas eram liberados, em outro dia o leite era liberado.
E assim, a comida africana se mistura à do índio e se mescla à do português. Em Mariana, neste ano da graça de 2024, no distrito de Padre Viegas, acontece o Festival Mineiro do Cuscuz, uma herança moura que se incorporou às Minas do Ouro. O africano quiabo veio para assumir seu reinado junto ao prosaico frango. O inhame mágico veio com ervas e recebeu todo o sabor da carne. O café surge aos poucos, no fundo da horta, e sempre caseiro (nesse Vale), combinando-se com a bendita rapadura que adoça quitandas e modismos do leite.
Estamos nas Minas do Ouro, estamos já no século XIX para o XX. Dona Maria Estela Libãnio Christo, mãe de nosso herói Frei Beto, em seu livro "Fogão de Lenha", nos mostra a fartura e a rica história da comida em banquetes das Minas Gerais: das festas da corte ou dos governadores, da antiga Vila Rica à nova Belo Horizonte. Há tesouros escondidos em nossas receitas de família, da antiga Queluz, passando por Vila Rica à comarca de São José dos Rio das Mortes.
Estamos no ano da graça de 2024. Começou o maior festival gastronômico do interior de Minas Gerais: o Sabores das Vilas, organizado em 12 cidades pelo Circuito Vilas e Fazendas de Minas. Vamos degustar e apoiar nossa cultura, em temperos e aromas.
Por José Geraldo
Agente cultural em Santana dos Montes e pesquisador das histórias e encantos da antiga Queluz de Minas
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Postado por Rafaela Melo, no dia 13/04/2024 - 10:30