Novamente, o escritor lafaietense, Paulo Antunes, foi convidado a participar da Bienal de Artes promovida por Argilano Rodrigues, na cidade de Iúna (ES). O artista iunense realiza o evento, pinta as telas e convida um número limitado de escritores brasileiros para escreverem sobre uma pintura específica. Antunes redigiu a crônica intitulada “Pare de Nos Matar” que dá nome à tela, transcrita nesta página.
Parem de Nos Matar
Na floresta, eles e os bichos resistem... Olhos de perplexidade frente às ideias dos "civilizados", pois que são gente que ama a Terra Mãe como quem ama o simples e delicioso ato de viver e não se dobra às ruínas da inutilidade dos homens da cidade, ao modo artificial de ser. Então, inevitável é o conflito covarde... bruto, desigual e injusto. E nascem das trevas as faíscas dos projéteis para perfurar a carne dos índios, sufocar o não à submissão.
São imigrantes em suas próprias terras, à deriva, num mar verde de gigantescas ondas poluídas, traiçoeiras, cuspidas pelos podres poderes da omissão estatal, alimentadas pela fome grande dos homens de olhos de cifrões. A força bruta do dinheiro avança mata adentro, feroz, rosnando, implodindo e explodindo culturas, línguas, carnes humanas. A vida desses alguéns que andam descalços, inteiramente conectados ao chão, é um nada desprezível a ser convertida em um não existir.
Os primeiros e legítimos donos do Brasil estão aqui num desde sempre inquestionável, mas, com a chegada da supremacia branca, jogados foram num processo abstrato e intrigante de não existência: labirinto de paredes de moedas, retratos de santos cristãos, medalhas e diplomas de simbologia e significação duvidosa. Mais além, ardilosa como as lamas de Brumadinho e Mariana. Almas ingênuas andando em círculo contando com a sorte para sobreviver. Miserável gente invisível nas necessidades e visível como alvo para armas ultramodernas de tecnologia de ponta. Dá-se mais valor a um aparato bélico que a um corpo não civilizado que respira, ama e vive como uma criança que todo dia inaugura um mundo próprio, puro brilho de amor.
Se afastem, senhores de ambição nos poros e papel moeda nos fios dos cabelos, medusa letal que engole com sanha o verde e a pele vermelha. Se distanciem de quem respeita a si, ao outro, à Terra. Se mantenham em suas selvas de pedras a esperar que toda podridão que constroem lhes corroerá as vísceras e a alma. Deixem em paz, em absoluta mansidão essa gente criança que venera seus deuses e vive o carpe diem à flor da pele.
Oh!, poderosos do quinto dos infernos, tirem os olhos de quem apenas pretende a vida em si, toda pura como água virgem de mina inacessível. Se ponham na distância grande que deve haver entre a vida e a morte. Parem o genocídio que também é a nossa morte moral e ética. Parem de Nos Matar. E muitos de nós também morremos quando cada um deles cai por terra.
Paulo Antunes
Professor Redação e Português,
escritor, ator, Mestre em Letras (Linguagem, Cultura e Discurso)
[email protected]
Tela “Parem de Nos Matar”, de Argilano Rodrigues
A decoração do palco onde realizaram-se as leituras
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Postado por Nathália Coelho, no dia 04/10/2022 - 16:20