Paulo Antunes
Lafaietense, professor universitário, escritor e ator
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... é madrugada quente, me afogo em insônia indomada... me estranho porque não sou eu... estou minúsculo nestes tempos em que a palavra pandemia fugiu do dicionário e caiu faminta na vida real... então, carne e espírito meus são um fio em alta tensão – com Medo!... um Medo com maiúscula porque não só por mim: pela humanidade... pesado sobre a horizontalidade dos lençóis brancos – trapezista oscilante sobre uma linha de reticências –, ruído algum ouço na casa que dorme seu sono de lembranças mornas... aflição: para além do silêncio do quarto, há ruas assombradas por minúsculo fantasmas invisíveis, sombras opacas, morcegos incandescentes sob o amarelo fuligem que chove da luz dos postes... não me engano, lá fora há um silêncio de sepulturas e covas violadas...
... necessito, de imediato, confessar: essa narrativa febril não é pecado só meu; é de um alguém na China, na Bolívia, no Canadá, em Madri, BH... voz comunitária, de todos e tudo... com Medo!... alguém de um país distante que restou perdido, e só, num aeroporto vazio de uma cidade em urgente e permanente estado de sítio... medo de tempos virais que pariu paredes para censurar amor, beijo de língua, ombros enlaçados, odor de cabelos úmidos...
... narro isso por mim, por você; pelo bebê, o adulto, o ancião... entre quatro paredes mastigando a ilusão dessa pseudo ilusão de proteção que até então cultivávamos... tateio o ar no escuro da minha noite, esta noite que é também do mundo... mundo, este planeta que se sacudiu e se rebelou contra o que se fez e faz com ele... já passava da hora... se se ignora a consciência do que seja correto, há de o invisível exigir dos homens a consciência do que seja viver... e viver é mais que existir...
... não se sabe ao certo o nome do paciente zero, nem o momento preciso, incisivo da gestação deste Medo... na verdade, sofremos, em carne viva, a morte da certeza, essa coisa louca que decidiu sair por este vasto mundo de mãos dadas consigo mesma, falando sozinha, alucinada... ah!, nunca confiei na certeza, menos ainda na soberba das pessoas tão certas de suas certezas...
... minha confiança agora é em você, na ingenuidade das crianças sorrindo... me ouça, amigo!... com calma... estou segurando sua mão com suavidade, pois receio que um pouco mais do calor meu possa quebrar essa relíquia... me ouça, amiga!... vou soprar nos seus ouvidos o tudo que meus olhos capturaram, a sonora biblioteca de palavras que minha boca colecionou no tempo e no espaço... me ouça como aquele menino que conta um segredo ao coleguinha na crença infinita de que aquele tudo será guardado a sete chaves... me ouça como aquela menininha que, rindo baixinho, falou em surdina à sua melhor amiguinha da escola o nome do seu amigo imaginário...
... psiu!, me ouça, amig@s!: existe lá fora essa coisa letalmente monstruosa num silêncio de tocaia, ... mas todo silêncio é tão somente o início de uma voz... e essa voz, como uma flor, está nascendo pequena, broto sensual, e já se arranja no tempo para explodir como maravilha em cores de cheiro amável... lá fora está o medo (oh!, vejam só: ele agora minúsculo!), mas por trás dele há uma flor criança ganhando corpo, invadindo o espaço, com a imaginação solta, capaz de altos desafios, (re)desenhando a Vida... com maiúscula... já está em mim, em você, nos garis, enfermeiros, caminhoneiros, malabaristas... e mesmo com a lona do circo desbotada, o espetáculo vai ter brilho, gargalhada, pipoca, guaraná...
... esta noite vai passar, veremos a face do amanhecer como o recém-nascido que pela primeira vez vê a luz e chora... de Prazer!... um gosto de Prazer tão manhã que as maçãs irão sorrir um sorriso de mamão com mel... e teremos a cons(CIÊNCIA) de que o ser humano se reinventou, depurou... e mesmo que, ora e outra, a covardia seja tentação, ninguém nunca mais soltará a mão de ninguém... serenos, seremos como os amantes em comunhão no verde dos bosques, imersos na paixão quente dos que ignoram o perigo dos lobos...
E, então, o medo vai dar voz à Luz nos lembrando de que somos gente... ente para iluminar o bem, a solidariedade, o amor, a paz, as ruas... assim reza a lenda, assim se faz a realidade... e seremos Chaplin, de chapéu coco, lembrando que “mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura”... pois o medo vai dar voz à Luz.
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Postado por Redação, no dia 14/04/2020 - 11:12