O economista, professor da Universidade Rice, em Houston, no Texas, e pesquisador do Centro de Estudos da População da Universidade da Pensilvania, Flávio Cunha, está à frente de um projeto, a convite da Petrobrás, que pode mudar a realidade de milhões de jovens brasileiros. A empresa estatal de economia mista destinou cerca de R$ 100 milhões por ano para a primeira infância no Brasil e fez uma parceria com o Ministério da Cidadania, que realizou consulta com secretários estaduais e municipais para descobrir como melhorar a integração dos serviços da rede de assistência social. Após visitar diversos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) pelo Brasil, Cunha observou muita diferença no atendimento de um lugar para outro. Segundo ele, esta iniciativa visa, em primeiro lugar, à melhora da qualidade do desenvolvimento na primeira infância de forma a gerar resultados econômicos e sociais que se sustentam ao longo do tempo. Em 2014, o economista tornou-se o primeiro brasileiro a receber a Medalha Frisch, conferida pela Sociedade Econométrica, ao lado do Nobel de Economia, o americano James Heckman.
Em Congonhas, Flávio Cunha estudou na então escola estadual José Cardoso e no Colégio Nossa Senhora da Piedade, onde cursou o Ensino Fundamental. Depois do quê se mudou para Belo Horizonte, para dar sequência aos estudos. Lá formou-se em Ciências Econômicas pela UFMG, fez mestrado na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e doutorado na Universidade de Chicago.
Durante visita a sua cidade natal, em dezembro, Flávio Cunha, acompanhado do irmão e procurador municipal, Juliano Resende Cunha, reuniu-se com o prefeito Zelinho, o secretário de Desenvolvimento e Assistência Social, Ronaldo Assunção, e a coordenadora do Cras Alvorada, Laila Ferreira, como parte do seu trabalho de conhecimento e análise da aplicação da política de assistência social no município. Ele esteve ainda na escola municipal Rosália Andrade da Glória, na creche municipal Maria Anunciação dos Anjos, também do Alvorada, e no Complexo de Saúde.
Em um primeiro momento, este projeto será desenvolvido em apenas quatro municípios brasileiros, entre os quais dois no Nordeste, Itaboraí no Rio de Janeiro. Em 2021, o projeto pode ser expandido par 15 municípios. Em 2022, para 100, depois do quê será possível replicá-lo para todo o País, caso todas as etapas anteriores obtenham êxito. A equipe de trabalho está sendo formada por profissionais da Universidade Rice e de diversas áreas do conhecimento Brasil a fora.
Flávio Cunha diz que os serviços de assistência social prestados em Congonhas estão muito à frente na média nacional, mas que ainda têm muito o que avançar. “Nos Cras que já visitei pelo Brasil, quando encontramos um assistente social e um psicólogo é muito. Em alguns lugares, encontrei senhoras da comunidade que atuam como voluntárias, sem nenhum apoio, que conseguem atender somente alguma urgência. Em Congonhas, vimos que há nos Cras equipes completas que contam com psicólogos e assistentes sociais. Em poucos lugares, vi profissional com conhecimento tão grande de sua área de atuação e interesse pelo tema como a psicóloga Laila Ferreira demonstrou ter. Também somente em Congonhas encontrei profissional que já participou de eventos nacionais de assistência social. Se esta fosse a realidade de todas as cidades, nosso trabalho seria mais fácil. Diante dos cenários que visitei no Brasil, a assistência social de Congonhas está bem posicionada, porém ainda distante do preceitua a legislação brasileira sobre a matéria”, assegura.
Para o pesquisador, a formação que transformará a vida do cidadão para melhor deve começar bem antes de a criança chegar à escola, o que geralmente não ocorre nesta e em outras partes do Mundo. “Este não é um problema só do Brasil, como é dos Estados Unidos também. Dedica-se pouca atenção à formação de capital humano, que se inicia antes de a criança chegar à escola. Por isso, vamos começar um processo de integração do Cras com Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) da Assistência Social e desses com pré-escolas, como creches, e o atendimento à criança na rede de saúde. Um dos problemas é que, em muitos municípios, o Cras não recebe recursos dos governos Federal e/ou Estadual. O comum é a utilização da mão de obra temporária ou voluntária e não contar com muito apoio do Governo Federal para a área técnica. Assim, em serviços de convivência e fortalecimento de vínculos, as experiências são completamente diferentes entre um município e outro. As ECC’s muitas vezes são vinculadas ao Cras, encontrei cadastro social que apontava que uma mesma família era atendia por dois psicólogos, o que configura a aplicação não necessariamente eficiente de recursos da assistência social. Então vemos muitas diferenças no atendimento dos CRAS no Brasil”, avalia.
Este projeto, que visa a melhorar a integração dos serviços da rede de assistência social, buscará, primeiro, segundo Flávio Cunha, o fortalecimento de vínculos. “Junto com o Ministério da Cidadania, desenvolvemos um novo caderno de atividades para famílias com crianças entre 0 e 6 anos. Iremos capacitar as equipes do CRAS para que ofereçam a estas famílias currículo e pedagogia consistente. Se a mãe mora em Congonhas e recebe essas informações e se muda para Conselheiro Lafaiete, ela terá uma continuação deste processo lá. Estamos criando um novo software que vai integrar todos os CRAS e acompanhará os serviços prestados. Como exemplo, a criança de 2 anos está na creche e as professoras desconfiam que ela tem um problema de desenvolvimento e solicitam a avaliação que será feita por um psicólogo. Para isso, é importante que aconteça a participação do setor de saúde do Município. O Prontuário SUAS já existe, mas, após visitar mais de 50 unidades Brasil a fora, posso assegurar que não há integração entre os diversos serviços públicos e os do CRAS por todo o Brasil”.
O projeto prevê também a oferta de capacitação às OSC (Organizações da Sociedade Civil). “Elas têm muita dificuldade de conseguir repasse, porque o marco regulatório do setor é complexo. Então, ofereceremos capacitação de 40 horas, sendo 32 horas sobre a importância da primeira infância e 8 horas sobre o marco regulatório. Estamos criando um software para elas aprenderem a prestar contas, visto que erros mínimos como a declaração de centavos a menos faz todo o serviço da OSC parar e, consequentemente, o atendimento às crianças da comunidade”, alerta.
O projeto prevê ainda um aplicativo que permite ao pai e à mãe verificar se a família está cumprindo as condicionalidades do Bolsa Família. Os pais terão acesso ao tratamento recebido pelo filho na creche, no SUS, por exemplo.
O secretário de Desenvolvimento e Assistência Social da Prefeitura, Ronaldo Assunção, dá outros exemplos de decisões contrárias aos interesses dos municípios: “Congonhas teve de rejeitar o Programa Criança Feliz, que foi implantado sem consulta aos municípios, porque ele retira recursos do CRAS, e não oferece o suficiente nem para pagar salários de dois técnicos que realizam as visitas às famílias. Além disso, processos importantes como as conferências Estadual e Nacional de Assistência Social foram convocadas pelos servidores do SUAS [Sistema Único de Assistência Social] e da sociedade civil, sendo que esta é uma atribuição dos dois governos, exatamente para expor esta realidade”.
Mas, a partir de agora, como explica Flávio Cunha, após 5 anos de uma fortíssima crise fiscal, economistas passam a entender que é preciso alcançar o equilíbrio fiscal e, a partir daí, aplicar dinheiro em saúde, educação e assistência social. “A grande preocupação que tenho é que, se apenas colocarmos mais dinheiro em uma rede que não está integrada e dialogando, poderá haver um impacto positivo, mas não aquele que almejamos. Então, uma das primeiras necessidades que temos é entender como integrar melhor o Criança Feliz, onde ele já existe, ao CRAS, mas sem que o primeiro sugue recursos destinados a outras atividades do segundo”.
Ao analisar os dados de dois anos seguidos no Censo, Flávio Cunha percebeu a inconstância do número de trabalhadores no CRAS. Portanto, ele pretende estudar quais ações de políticas públicas são necessárias para reter e capacitar uma força de trabalho que pode ter grande impacto na formação de capital humano das crianças em situações de vulnerabilidade.
Acesso aos benefícios
Por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), são realizados atendimentos familiares e, caso seja necessário, acontece um acompanhamento mais sistemático, determinado por uma equipe técnica, que considera quais vulnerabilidades a pessoa e o grupo familiar possuem, e estas dizem respeito à segurança alimentar, renda, número de membros na família, situações de risco social, como exposição a violência. Verificada a relação do indivíduo com seu território, conclui-se se a família precisa ser acompanhada pela equipe multidisciplinar do CRAS ou não. Laila Ferreira diz que, em caso positivo, acontecem então diversas ações, como encaminhamento para serviços de educação, saúde, da própria assistência social, para que essas pessoas passem a contar com benefícios, porque há famílias em situação de extrema pobreza que ainda não estão cadastradas no CadÚnico, portanto não têm acesso ao Bolsa Família.
A coordenadora do CRAS Alvorada afirma, no entanto, que “não há novas famílias inseridas no Bolsa Família desde abril de 2019, por decisão do Governo Federal. Pessoas que estão em condição de descumprimento de condicionalidades e conseguem superá-lo, encontram grande dificuldade para voltar a participar do programa. Isso vem impactando o programa municipal Cupom Cesta Cidadão, cujo atendimento agora acontece nos três CRAS de Congonhas [Alvorada, Região Dom Oscar e Pires]”.
De 2012 para 2015, o número de cadastrados do Bolsa Família em Congonhas caiu de 2.140 famílias para 800 e o Cupom Cesta Cidadão, de 150 para 35. Atualmente, o número de Cupom está em torno de 450 e este número ainda é insatisfatório para atender à demanda, já que existem 1 mil pessoas na fila. Já o Bolsa Família possui 2.180 famílias cadastradas novamente. O Governo Federal tem cortado desde 2016 11% desses beneficiários ao ano.
O secretário Ronaldo Assunção afirma que a política de assistência social é nova no Brasil e que ainda prevalece a visão do clientelismo e do paternalismo. “Ela não é encarada como política de direito. Antes de realizar alguma ação de assistência social, é preciso negociar. Não existe uma lei que determina percentual da arrecadação para este fim. Conta-se com a boa vontade do governo do momento. Outro problema é a ausência de uma política intersetorial em quê, por exemplo, saúde, educação, assistência social, entre outras áreas do serviço público, dialoguem e construam soluções juntas”.
Flávio Cunha concordou com o secretário da Sedas e disse que está preocupado com muitos estados e municípios que, há anos, não alocam quaisquer recursos para o CRAS, o que torna o seu funcionamento inviável. Para isso, ele pretende propor novas maneiras de financiamentos para o CRAS.
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Postado por Redação, no dia 20/01/2020 - 15:08