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Educação


Enem e escolas: desencontros radicais



No fim da semana passada, minha filha disse que não viria porque tinha de estudar para uma prova de História na segunda-feira, no colégio onde ela estuda, em Belo Horizonte. Foi uma prova com três questões abertas dissertativas, onde os alunos argumentaram de forma interdisciplinar, valendo sete pontos. Isso mesmo: sete pontos. Se um professor do interior tomasse essa decisão, seria fortemente questionado por quase todos os segmentos. Isso mostra como o paternalismo e o assistencialismo existem em umas escolas, ainda que com prejuízo dos alunos. Concordo com os professores da minha filha, mesmo sabendo das dificuldades dos alunos para responder as questões que exigem argumentos dissertativos. 

Esses argumentos exigem a elaboração de uma análise com fundamentos. Nada de opinião pessoal e achismo. Se isso já é difícil como trabalho intelectual, imagine a dificuldade que o estudante encontra para construir uma resposta de questão aberta, associando conceitos de duas ou mais disciplinas. Daí a expressão "respostas interdisciplinares". No mínimo, elas exigem habilidades de compreensão e de associação de conceitos entre si, o que requer maturidade, leitura, interpretação. E muita exercitação. As escolas estão nessa direção? 

O estudante é desafiado a dar conta de argumentar sobre pontos de convergência e de divergência entre duas ou mais situações, es­­­ta­bele­cendo, por exemplo, relações conceituais entre História e Biologia, ou História e Matemática, ou História e Química. Observe que se trata de disciplinas que têm objetos (conteúdos) de estudos bem diferentes, sem afinidades diretas entre si, como História e Geografia, apesar de o conhecimento humano não ser dividido em disciplinas em nosso cérebro. São poucos os alunos do ensino médio que têm essa maturidade intelectual. Primeiro, por causa da idade. Depois, porque na escola tradicional não se treina fazer isso nem nas aulas, e creio que nunca o fazem em casa. Como conseguirá dar conta de obter notas boas em uma prova dessa natureza?  

Problema semelhante é colocado para todos os professores. Nós estamos preparados para elaborar questões de forma interdisciplinar? Para um professor elaborar questões abertas de natureza interdisciplinar ele precisa ter uma preparação geral muito grande e sólida. E precisa, no mínimo, saber trabalhar em dupla com um colega da disciplina com a qual ele quer relacionar os temas de uma prova. Disso se seguem uma série de outros problemas. 

Os professores não trabalham nessa perspectiva interdisciplinar em sala de aula e, quando o fazem, sofrem grande resistência por parte de muitos alunos. Além disso, no modelo clássico de escola, os professores não foram formados para trabalhar em equipe, como tem ocorrido nas experiências inovadoras. Ficam no espaço e tempo escolar, reduzidos à solidão do trabalho individual, muitos de forma obsessiva com "a sua disciplina". Por sua vez, os livros didáticos le­­gitimam essa tendência, na lógica de um currículo estruturado em disciplinas estanques e isoladas que determinam o papel e a forma de trabalho do professor e do aluno. Ironicamente, cada professor tem os seus alunos, enquanto os alunos são de todos os professores e não apenas de um deles. Enquanto as questões do Enem são elaboradas por áreas, as unidades escolares seguem, no batido da lata, insistindo no currículo por disciplinas, tentando conciliar o inconciliável, com mau desempenho dos alunos, indisciplina, baixos resultados por causa dos de­sen­contros radicais com lógica do Enem. 

O desenho desses desencontros está claro com apelos fortes. As avaliações oficiais estão mandando um recado claro aos diretores, professores, famílias e alunos sobre a necessidade de outra cultura organizacional escolar. Sejamos realistas. Vamos desmontar o que temos.

José Antônio dos Santos
Mestre pela UFSJ
Contato: [email protected]



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Escrito por Educação, no dia 15/04/2016




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