Sébastien Kiwonghi Bizawu
Pós-doutorado em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Doutor e Mestre em Direito Internacional pela PUC Minas. Pró-Reitor do Programa de Pós-Graduação em Direito. Professor de Direito Internacional Ambiental pelo PPGD na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor da Faculdade de Direito do Conselheiro Lafaiete (FDCL)
Se alguém nos perguntar quais os problemas atuais da humanidade e de difíceis soluções? Certamente as respostas serão diversas e complexas. Não haverá uma única resposta relativa à pandemia (Coronavirus), obviamente, mas haverá relato sobre as consequências desta em uma sociedade atormentada por desemprego, fechamento e / ou deslocamento de fábricas, atos de violência, xenofobia, discriminação racial e populismo de extrema direita com discursos de ódio e de intolerância.
Cientistas de vários laboratórios famosos e de indústrias farmacêuticas têm se empenhado muito para a produção de vacinas contra a Covid-19 e suas variantes de sete cabeças, oriundas de diferentes continentes. A universalidade da pandemia tem provocado atos de uma solidariedade planetária incrível para salvar a própria humanidade do flagelo de um inimigo comum. Não obstante tal esforço mundial e a globalização da pandemia, observa-se, infelizmente, uma outra pandemia na vivência e convivência social, oriunda de preconceitos sobre a arte culinária africana. O que fazer para extirpar da sociedade a pandemia de desprezo de outras culturas e sobretudo, quando se trata de arte culinária africana no Brasil?
Justifica-se o título desse artigo pelo premente assunto da atualidade que trouxe à tona a polêmica oriunda de comentários preconceituosos e discriminatórios da apresentadora Ana Maria Braga e do repórter Thiago Oliveira, no dia 28 de abril de 2021, em seu programa “Mais Você” sobre o prato feito com carinho e dedicação pelo Chef camaronês Sam, buscando no manancial da arte culinária queniana. As críticas ao prato africano ressoaram muito mal no meio dos internautas e da comunidade africana.
Não basta o pedido de desculpas da apresentadora e do repórter, como é de práxis no país após ofensas, injúrias raciais e atos discriminatórios de alcance nacional e internacional, sempre justificados pela não intenção de ofender ninguém. A questão é de saber o que ambos ensinaram com suas atitudes às gerações futuras? Qual o legado de tais ofensas para uma geração que viaja muito, que é fruto da globalização e de intercâmbio cultural?
“Se a gente passar mal, passa mal juntos. É feio, hein”. Sentindo-se soberana naquele momento, emendou, aapresentadora: “Não tem gosto de nada a farinha. O refogado é bom. Tá (sic) difícil de engolir”Frases como essas pronunciadas pela apresentadora, no horário nobre, em seu programa influenciador revela, por trás desse julgamento impiedoso, um preconceito para com a comida africana e um racismo revelado publicamente pelo fato de um negro africano ter feito o prato. Pior ainda quando a apresentadora tenta se desculpar, alegando ter dito aquilo em tom de “brincadeira” e em um momento de “interação com o repórter”. Disse, ela, por meia de assessoria, ipsis litteris: “Me desculpo se na interação com o repórter, nossa brincadeira possa ter ofendido. A ideia foi dividir com os telespectadores instantes de descontração e nunca um sentimento de desrespeito.[...]”
Há de destacar o racismo recreativo porque se tratava de “brincadeira” dela sobre a comida africana, o que ela não faria se fosse um chef italiano, francês, alemão, holandês, belga, etc, ensinando no “Mais Você” como fazer o mesmo “fufu” que é o nosso “angu” em algumas regiões brasileiras. Os antepassados africanos não morreram nesta terra de Santa Cruz, comendo “angu” ou “fufu”, taioca, macaxeira cozida ou frita, mas recebendo dia e noite chibatadas que rasgavam suas peles de ébano sob os olhares dos senhores e senhoras da Casa Grande. Sim, os sofrimentos indizíveis e inimagináveis, fizeram com que os “suseranos” daquela Casa se tornassem “homo demens”, ao invés de “homo sapiens” e, menos ainda “homo Deus”. Um africano preparando o “fufu” não está contribuindo para a diversão de quem montou o palco para o circo. É para ensinar.
Infelizmente, há “deusas” ou “divas” da mídia na terra de escravidão que se destacam ainda por narrativas discriminatórias e xenofóbicas. O que se viu naquele momento, além de um festival de palavras nojentas e vergonhosasdignas de obscurantismo cultural, fruto de um racismo estrutural mentalmente concebido e socialmente construído, foi uma exclusão notória da culinária africana do rol de alimentos considerados “saudáveis” apresentados pela emissora, uma vez que a comida africana teria potencialidade de levar ao hospital (“passar mal” ou à morbidade. A negroculinária não foi bem-vinda em um programa que pretende congregar por ser “Mais Você”, mas com as críticas abertas à arte culinária africana, levantou, querendo ou não, uma das bandeiras de extrema-direita (como na Itália com MatteoSalvini) e do Trump, nos Estados Unidos da América, com a supremacia branca, para se tornar, finalmente, “MENOS VOCÊ”.
Há tempo de corrigir o ocorrido? Sim, mas não apenas pelo pedido de desculpas pela assessoria. É preferível que a apresentadora se manifeste, pessoalmente e publicamente, para apagar a voz influenciadora da ignorância em matéria de diversidades culturais porque o pior, hoje em dia, não é apenas o coronavírus, mas o vírus do desprezo, da discriminação racial, cultural, do discurso de ódio e de intolerância com plataformas de algoritmos.
Nada de populismo culinário que valorize só aquele que vem do ocidente, pois a humanidade precisa de solidariedade e não de disseminação de pandemia culinária com capacidade de destruir o DNA da “negroculinária”, espalhando-se, portanto, em todos os espaços de convivência social a “necroculinária” africana. O programa “Mais Você” não pode servir de palco para uma narrativa jocosa, excludente, seletiva e discriminatória em um Estado democrático de direito, menos ainda de promover o desemprego dos migrantes que promovem em seus restaurantes a comida típica de seus países de origem em um Brasil cujos representantes do Povo asseguram constitucionalmente “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional (...) (BRASIL, 1988, Preâmbulo da CF), buscando, ao mesmo tempo, com fulcro no Art. 3º, da Constituição Federal de 1988, “ promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
As atitudes discriminatórias demonstram que a crise civilizatória é uma crise do próprio ser humano que pretende governar o mundo com “sapiência”, mas se destaca pela demência porque mal consegue aprender com a história e a trajetória humana ao longo dos tempos.
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Escrito por Direito no Alvo, no dia 03/06/2021
Artigos desenvolvidos pelos professores da FDCL. Os textos debatem assuntos da atualidade e que envolvem o mundo jurÃdico.