O mundo contemporâneo não tem paciência para ouvir crianças. Esse erro é recorrente entre educadores e famílias. Nós somos incapazes de parar e nos abaixar para ouvir as crianças e conversar com elas, como indivíduos. É uma falta brutal de sabedoria.
Nem precisa ser um admirador da família real britânica para observar a forma como o príncipe William e a duquesa de Cambridge Kate Middleton se preocupam com a criação dos herdeiros, George, 3 anos, e Charlotte, de 1 e quatro meses. Além da escolha de uma escola Montessori para o menino, um detalhe no relacionamento entre pais e filho chamou a atenção na última semana: ambos se abaixam para conversar com o primogênito.
Segundo a psicopedagoga Ivone dos Reis, eles utilizam a técnica chamada ?escuta ativa?. O objetivo do método, explica, é ?transmitir o respeito a alguém quando esse fala?. No caso de crianças, elas são tratadas de maneira igual ? o adulto não fica em uma posição superior ? para que se sintam realmente ouvidas. Segundo ela, é um mecanismo para extrair tudo o que a pessoa tem para dizer, sem se sentir invadida ou ameaçada.
?É uma escuta de muita atenção, olhando sempre nos olhos da pessoa para que ela se sinta totalmente significante para quem a escuta. Saber escutar é uma arte, pois a pessoa que escuta tem que ter tolerância e respeito. E se colocar na situação da outra, para perceber qual a necessidade dela de relatar o fato. Seja qual for, sem ignorar ou julgar, mas ajudá-la a achar uma saída para alguma situação?, afirma.
De acordo com a profissional de educação, quando a pessoa precisa ser ouvida há necessidade de reciprocidade de quem a ouve. Com os pequenos, a comunicação é a melhor metodologia para descobrir as razões de uma birra, por exemplo. Para isso, além de prestar atenção às palavras, é necessário que o cuidador também observe a linguagem não verbal. A impaciência, que resulta em gritos e castigos, ressalta, só gera medo.
?Isso só irá piorar e fazer com que a criança cresça usando estratégias de comando. A escuta tem que ser aplicada desde cedo. A partir do momento em que anda e fala, ela já entende que sempre terá alguém disposto a ouvi-la, mesmo em situações desconfortantes. Assim, ela aprenderá que para todas as coisas sempre há uma solução. O diálogo e o respeito são o caminho para nossas atitudes, seja ela qual for?, enfatiza.
Ainda de acordo com Ivone, que trabalha há mais de uma década com alunos que têm algum distúrbio ou dificuldade de aprendizagem, o maior erro de um adulto é não tratar a criança como um indivíduo. A partir dos 2 anos de idade, elas já demonstram mais personalidade e começam a querer tomar decisões. Portanto, precisam ser ouvidas.
?Temos que nos colocar sempre no lugar dessa criança e não interromper o que ela está falando. Sentir as palavras e as emoções dessa criança. O que mais nos auxilia no dia a dia para ajudar uma criança a mudar seu modo de pensar, agir, e ser mais segura de seus atos é a escuta ativa?, finaliza.
A criança precisa ser ouvida, levada a sério e respeitada nas suas opiniões. Homens e mulheres que não foram ouvidos e que não conviveram com adultos que confiassem no que falavam cresceram inseguros e dependentes, egoístas e individualistas. Por não conviverem com adultos capazes da ?escuta ativa?, inúmeras deles se silenciam quando sofrem abusos sexuais, por exemplo. Crescem e continuam a perpetuar as mesmas mazelas do autoritarismo cultural.
Não cabe concluir que legitimamos a permissividade e o filiarcalismo descabido. Os filhos precisam e gostam de limites, mas precisam e gostam de serem ouvidos e de merecerem a confiança e a atenção dos adultos. Dá pena ver, na rua, como muitos adultos são casca grossa; incapazes de ouvir de forma respeitosa outro adulto e, muito menos, as crianças.
José Antônio dos Santos
Membro da ACLCL e mestre pela UFSJ
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Escrito por Educação, no dia 02/08/2018